A Falácia das Criptomoedas

As criptomoedas não são realmente moedas, e não podem cumprir a função de dinheiro. São títulos efetivamente não regulamentados, em que o único objetivo…

Olá!

Trago este artigo escrito por Stephen Diehl, engenheiro de software inglês, o qual expressa em seu blog sua opinião acerca das criptomoedas e seu futuro, a qual eu me identifico. Por isso achei interessante traduzir e deixar este texto disponível para o público brasileiro. Boa leitura!

Artigo original publicado em: The Case Against Crypto (stephendiehl.com)
Tradução livre: Eduardo Teixeira / Scanner da Bolsa



Hoje em dia, grande parte do meu tempo livre é reservado com ligações para explicar às pessoas fora da indústria de software por que os cripto ativos são uma força tão destrutiva, e porque apoio uma regulamentação rigorosa para impedir que esse negócio financeiramente corrosivo se espalhe ainda mais nos mercados.

Basicamente, tenho que me repetir sobre os argumentos básicos em cada chamada, cobrindo a mesma teoria monetária básica, história americana e limitações técnicas. Portanto, vou resumir o argumento básico para que tenhamos uma referência, e não precise ficar repetindo o tempo inteiro.

1 – As criptomoedas não resolvem um problema real

O projeto de criptomoedas teve 13 anos para tentar encontrar um problema para resolver, mas não encontrou um sequer.

O mundo real tem restrições fundamentais que tornam a tecnologia inviável. Sempre que ela precisa interagir com o mundo exterior os benefícios da descentralização desaparecem e as soluções acabam simplesmente por recriar versões cada vez mais lentas de processos e estruturas já existentes.

Apesar disso, nos últimos treze anos esses projetos não fizeram nada além de enganar as pessoas, criando bolhas de ativos sintéticos de jogatina, e destruindo o meio ambiente com seu alto consumo de recursos.

Existem limitações fundamentais de escalabilidade das tecnologias baseadas em blockchain, e cada caso de uso é melhor servido por outra tecnologia mais simples, exceto para crimes, ransomware (sequestro de dados), jogos ilegais, corrupção, lavagem de dinheiro, etc, os quais são um problema para a sociedade, e não um benefício.

De um modo geral, a tecnologia não tem benefícios tangíveis em relação ao uso de partes confiáveis ​​e bancos de dados centralizados.


As criptomoedas são simplesmente produtos especulativos de jogo, que apenas criam um conjunto massivo de externalidades negativas no mundo. Elas estão introduzindo volatilidade artificial nos mercados, sem possuir nenhuma ligação real com a atividade econômica, sendo corrosiva contra todas as classes de ativos produtivos.

Isso não é inovação, é regressão técnica e agressão ao meio ambiente, em uma época em que não podemos apostar o destino de nosso dinheiro e do nosso planeta em esquemas de pirâmide e memes caninos.

2 – As criptomoedas não são realmente moedas, e não podem cumprir a função de dinheiro.


O dinheiro existe para troca de bens e serviços em uma economia. Ele é criado para mediar a troca de mercadorias, de modo que tenhamos uma unidade de valor comum que possamos negociar em vez de trocar mercadorias diretamente. O dinheiro precisa ter um valor confiável e estável em comparação com uma cesta doméstica de bens e serviços comuns.

Para que isso possa ser alcançado, a oferta de dinheiro precisa ser controlada por uma autoridade monetária, que pode expandir ou contrair a oferta de acordo com as flutuações do mercado.

Uma oferta de moeda dinâmica é uma necessidade fundamental para uma economia moderna. Uma pequena quantidade de inflação desestimula a acumulação e incentiva o investimento em empresas produtivas, que fazem a economia crescer, gerando emprego e prosperidade.

Por outro lado, uma oferta de moeda fixa estática estimula o entesouramento (poupança), e é inflexível em tempos de crise porque não permite a intervenção. As economias não se estabilizam por conta própria, elas requerem intervenção ativa dos governos e bancos centrais para conter os períodos de recessão e inflações.


Bancos centrais atuam ativamente em todas as fases do ciclo econômico, principalmente através de alteração da taxa de juros, e quantidade de dinheiro disponível em circulação.


Em um ambiente no qual várias moedas podem se misturar, existe um incentivo perverso para criar moedas falsas ou para criar moedas paralelas. As moedas falsas diluem a confiança no comércio, criam risco de contraparte e catalisam o crime. Moedas paralelas introduzem risco cambial e criam barreiras artificiais ao comércio.

A solução ideal em qualquer região econômica é, portanto, ter uma moeda única com uma autoridade única para controlar o fornecimento, proteger contra a falsificação e reduzir as barreiras ao comércio ao desencorajar outros sistemas por meio da criação de demanda.

A única entidade possível que pode cumprir esse papel é o Estado, e ele cria a demanda por uma moeda única ao exigir que os cidadãos prestem suas obrigações para com o Estado nessa moeda. Uma moeda única e uma autoridade monetária única são o papel inevitável do Estado, devido ao seu monopólio singular de tributação e justiça.

Historicamente, o dinheiro baseado em commodities, o chamado “dinheiro forte” (hard money), era baseado no lastro de metais e foi amplamente usado nos séculos 18 e 19. Em vez de conferir poder aos controles democráticos, conferiu-se poder a entidades internacionais “não-eleitas”, que podiam fornecer, minerar e cunhar metais.

Sob a influência do ouro, a inflação, o crescimento e o sistema financeiro eram todos menos estáveis ​​devido aos desequilíbrios comerciais. Isso levou a recessões frequentes, oscilações maiores nos preços ao consumidor e crises bancárias perpétuas.

Quando esses eventos ocorriam em uma parte do mundo, a angústia era transmitida a outras regiões e, assim, criava-se um mundo politicamente instável, desigual e mais violento. Vimos isso na Era Dourada entre 1870 e 1920, em que o hard money criou um mundo de enorme desigualdade de riqueza, levando assim, em última instância, às manias de mercado especulativo que levaram à Grande Depressão.

Os Estados Unidos acabaram desvalorizando sua moeda com as políticas do New Deal (Novo acordo), que lentamente diminuiu a dependência do dólar ao ouro, e que levou a uma era de crescimento econômico e prosperidade. Nessa mesma época, a Europa, em grande parte, não se envolveu nessas políticas corretivas e viu o surgimento de figuras populistas e fascistas, que prometeram corrigir a desigualdade de riqueza do homem comum e, por fim, mergulharam o continente num dos períodos mais violentos da história humana.

O dinheiro sempre será inseparável da política. Por mais que alguns libertários queiram acreditar que o valor deve ser determinado por “liberdade divina”, independente da vontade dos homens, eles não podem escapar das contradições lógicas e históricas fundamentais dessa ideia.

A noção de suprimento fixo de moedas deflacionárias como o Bitcoin interpretam erroneamente as propriedades da moeda fiduciária como problemas, quando na verdade são suas características naturais. A filosofia das criptomoedas contém contradições lógicas e econômicas insolúveis em seu propósito declarado.

O dinheiro controlado pelo Estado incorpora o controle e a responsabilização pela estabilidade fiscal, e a intervenção no mercado no processo democrático, ao qual pertence inevitavelmente, e com razão.

3 – A história do dinheiro privado é uma história de desastres repetidos, que destroem a confiança pública.

Mesmo bancando o advogado do diabo e presumindo que uma criptomoeda poderia funcionar como dinheiro, nós nos deparamos com uma forte limitação. Toda vez que algum dinheiro privado foi tentado na história, ele criou uma forma de feudalismo corporativo acoplado a um ambiente tóxico, que incentivava a fraude e desencorajava o comércio.

As lições da história são bastante claras sobre essa questão. Os Estados Unidos experimentaram esse sistema na era do Banco Livre de 1837 a 1863. Nesse período, centenas de entidades privadas passaram a emitir suas próprias notas bancárias privadas, supostamente criadas com uma relação de “um para um” com títulos do Estado.

O problema com esses chamados bancos selvagens (wildcat banks) é que suas reservas nem sempre eram garantidas de forma verificável e, portanto, estavam sujeitas a corridas de saques, em que os clientes não podiam acessar seus fundos. A segunda questão é que, ao contrário do dinheiro público que é universalmente aceito ao par, as notas do banco privadas tinham um enorme mercado de câmbio secundário, onde notas de bancos diferentes tinham dificuldade de serem cambiadas entre si.

Uma nota de dólar do banco de Wyoming poderia valer $0,60 para uma nota de um banco de Nebraska, e esses valores poderiam flutuar muito dependendo das condições de mercado. Como comerciante, isso tornava os negócios bastante complicados, pois você seria forçado a comprar mercadorias em um conjunto de notas, aceitar notas de clientes, e dar o troco em um conjunto diferente de notas.

Isso era ótimo para banqueiros que tinham acesso a informações privilegiadas e podiam arbitrar essas notas para seus próprios lucros, mas para a pessoa média isso era um sistema terrivelmente predatório e explorador.

As notas de banco privado são uma forma desnecessariamente complicada, arriscada e ineficiente de administrar uma economia, e isso foi remediado pela Lei do Banco Nacional de 1863. Foi uma ideia verdadeiramente terrível.

Cédula de 5 dólares emitida pelo Cleveland Bank (EUA)


A história tende a rimar e hoje flertamos com as mesmas más ideias do passado. Exceto que agora, ao invés de wildcat banks, temos plataformas tecnológicas pioneiras, com as mesmas aspirações. Eles não querem fazer interface com o dinheiro público, mas sim se tornarem eles próprios emissores de dinheiro privado: uma emissão de títulos totalmente integrada verticalmente que eles emitem para seus investidores, funcionários e clientes, para criar não apenas um jardim murado, mas um jardim murado onde cada caminho tem um pedágio, que vai colhendo apenas as suas moedas.

O que nenhum investidor de risco desses projetos quer falar é que criar dinheiro privado, assim como na era dos wildcat banks, é uma licença para imprimir dinheiro criando mercados para essas moedas, com assimetrias de informação embutidas no design.

Esses tipos de regimes de dinheiro privado são tão exploradores hoje quanto eram no século 19, e a chamada noção de Web3, de incorporar esta forma de corrupção institucionalizada como uma estrutura de primeira classe na internet, é uma ideia terrível que ignora todas as lições de história do passado.

4 – Cripto ativos são títulos não registrados

Quando desconstruímos a narrativa das criptomoedas, invalidando seu populismo falso e a sua noção de “culto contra a economia tradicional”, acabamos com uma conclusão inescapável que se encaixa firmemente em nossa estrutura regulatória existente.

Ativos criptográficos são simplesmente títulos não registrados em empreendimentos, cuja aspiração declarada é desenvolver tecnologia para se tornarem bancos digitais pioneiros, sintetizando seu patrimônio corporativo e suas supostas notas em um produto financeiro.

As criptomoedas não são moedas e não têm mecanismo para se tornarem moedas. São títulos efetivamente não regulamentados, em que o único objetivo dos produtos é a valorização do preço, desvinculado de qualquer atividade econômica. O único caso de uso é apostar nas oscilações aleatórias de preços, tentando comprar na baixa e vender na alta, e sacar posições para ganhos em uma moeda real como dólares ou euros.

No entanto, as criptomoedas não podem criar ou destruir dinheiro real porque, ao contrário de uma ação, não existe uma empresa por detrás, que gere receita.

Portanto, se você vende sua criptomoeda e obtém lucro em dólares, é exatamente porque alguém mais idiota que você a comprou por um preço mais alto do que você pagou. Então, cada dólar que sai de uma criptomoeda é porque um investidor posterior colocou um dólar nele.

Elas são inerentemente soma zero por design (o ganho de um jogador representa necessariamente a perda para o outro jogador), e quando você leva em conta o “cassino” (bolsas de criptos, mineradores, etc) levando o rake (corretagem) no jogo, então o toda a estrutura torna-se estritamente de soma negativa: para cada vencedor, há a garantia de vários perdedores. É um jogo manipulado por insiders, hackeando a psicologia humana.

Para que as criptomoedas tenham alguma utilidade real, a volatilidade precisa esfriar. Se isso acontecesse, haveria poucos motivos para o público especular sobre os seus preços, visto que não haveria mais potencial para retornos massivos. O dinheiro inteligente sai, a liquidez desaparece e a bolha entra em colapso.

Este é o destino inevitável de todas as criptomoedas, e vemos isso refletido no simples fato de que o retorno médio de todas essas milhares de moedas instantâneas é zero. Cada moeda criptográfica está apenas em uma caminhada aleatória para zero, por um caminho e prazo diferente.

O argumento apresentado neste artigo é bastante complicado e requer um grande conhecimento na intersecção de vários campos de estudo que, francamente, o público em geral não deveria ter que se preocupar em aprender, para se proteger contra fraudes.

O dinheiro público precisa funcionar de uma forma simples para a maioria das pessoas, sem que elas tenham que se preocupar com os detalhes técnicos. E é exatamente aqui que as criptomoedas exploram a ignorância, a fé desesperada no solucionismo técnico, e o ressentimento político do público, e os transformam em armas para os objetivos desses charlatões libertários do dinheiro privado. Essas pessoas não estão construindo um novo sistema financeiro, elas estão apenas enchendo seus próprios bolsos.

A história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. As grandes oscilações econômicas do padrão ouro de ontem são a mania dos memes caninos de hoje. A natureza humana é notavelmente invariável ao longo dos tempos e, se não aprendermos as lições da história, estaremos condenados a repetir os erros das gerações anteriores. Desta vez, se tivermos muita sorte, as criptomoedas simplesmente acabarão em um crash do mercado e uma série de reformas progressivas do tipo New Deal em nosso sistema financeiro.

Se não tivermos sorte, elas irão acelerar a expansão de um sistema financeiro paralelo usado para enriquecer os que já são ricos, aumentando ainda mais a desigualdade de riqueza, a níveis historicamente sem precedentes, diminuindo a fé na democracia e aumentando ainda mais as chamas do populismo.

Em última análise, essas tendências convergem para deixar o destino da humanidade às oscilações selvagens dos mercados, demagogos carismáticos, e homens fortes que prometem nos salvar de nós mesmos. E vimos como essa história termina.


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Eduardo Teixeira
Scanner da Bolsa

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