A Falácia das Criptomoedas

As criptomoedas, vendidas como a revolução financeira do século, prometem liberdade e inovação, mas será que resistem a um escrutínio mais atento? Neste artigo, vou expor minha visão crítica sobre esse fenômeno, argumentando por que elas falham como solução econômica e social.


As criptomoedas, vendidas como a revolução financeira do século, prometem liberdade e inovação, mas será que resistem a um escrutínio mais atento? Neste artigo, vou expor minha visão crítica sobre esse fenômeno, argumentando por que elas falham como solução econômica e social.

Ao longo do texto, abordarei diversos pontos: desde as contradições em sua filosofia e os riscos de um suprimento fixo até o papel essencial do controle estatal no dinheiro e os problemas práticos que as criptos trazem, como crimes e instabilidade.

Acho que não existe descrição mais brilhante que a de John Oliver, comediante e apresentador: “Bitcoin é tudo o que as pessoas não sabem sobre computadores combinado com tudo o que elas não entendem sobre dinheiro”.

Prepare-se para uma análise direta e sem rodeios.


1 – As criptomoedas não resolvem problemas – elas geram mais!

Depois de anos em atividade, esses projetos ainda não encontraram um propósito prático para existir. No mundo concreto, a tecnologia se mostra inútil, no que se refere à proposta de facilitar transferência de recursos.

Ao interagir com a realidade, os benefícios da descentralização somem, pois criam mais uma ‘camada’ de pagamentos, enquanto sistemas de transferências já existentes são eficazes e transparentes. Soluções como Paypal, Wise, Nomad, Pix, já entregam rapidez, segurança e clareza, sem essa complicação extra que as criptomoedas insistem em adicionar.

Na prática, elas só iludem as pessoas, inflando bolhas de especulação e prejudicando o meio ambiente com seu gasto enorme de energia. Pior ainda, viraram um playground para criminosos, impulsionando ransomware, jogos ilegais, corrupção e lavagem de dinheiro — problemas que desgastam a sociedade sem oferecer nada em troca.




As criptomoedas são simplesmente produtos especulativos de jogo, que apenas criam um conjunto massivo de externalidades negativas no mundo. Elas introduzem volatilidade artificial nos mercados, sem possuir nenhuma ligação real com a atividade econômica, sendo corrosiva contra todas as classes de ativos produtivos.

Isso não é inovação, é regressão e agressão ao meio ambiente, em uma época em que não podemos apostar o destino de nosso dinheiro e do nosso planeta em esquemas de pirâmide e memes caninos.

2 – As criptomoedas não são realmente moedas, e não podem cumprir a função de dinheiro.


Agora vamos falar da principal narrativa que encanta tanta gente: as criptomoedas são o ouro digital.

O dinheiro existe para troca de bens e serviços em uma economia. Ele é criado para mediar a troca de mercadorias, de modo que tenhamos uma unidade de valor comum que possamos negociar em vez de trocar mercadorias diretamente. O dinheiro precisa ter um valor confiável e estável em comparação com uma cesta doméstica de bens e serviços comuns.

Para que isso possa ser alcançado, a oferta de dinheiro precisa ser controlada por uma autoridade monetária, que pode expandir ou contrair a oferta de acordo com as flutuações do mercado.

Uma oferta de moeda dinâmica é uma necessidade fundamental para uma economia moderna. Uma pequena quantidade de inflação desestimula a acumulação e incentiva o investimento em negócios produtivos, que fazem a economia crescer, gerando emprego e prosperidade.

Por outro lado, uma oferta de moeda fixa estática estimula o entesouramento (poupança), e é inflexível em tempos de crise porque não permite a intervenção. As economias não se estabilizam por conta própria, elas requerem intervenção ativa dos governos e bancos centrais para conter os períodos de recessão e inflações.


Bancos centrais atuam ativamente em todas as fases do ciclo econômico, principalmente através de alteração da taxa de juros, e quantidade de dinheiro disponível em circulação.


Em um ambiente no qual várias moedas podem se misturar, existe um incentivo perverso para criar moedas falsas ou para criar moedas paralelas. As moedas falsas diluem a confiança no comércio, criam risco de contraparte e catalisam o crime. Moedas paralelas introduzem risco cambial e criam barreiras artificiais ao comércio.

A solução ideal em qualquer região econômica é, portanto, ter uma moeda única com uma autoridade única para controlar o fornecimento, proteger contra a falsificação e reduzir as barreiras ao comércio ao desencorajar outros sistemas por meio da criação de demanda.

A única entidade possível que pode cumprir esse papel é o Estado, e ele cria a demanda por uma moeda única ao exigir que os cidadãos prestem suas obrigações para com o Estado nessa moeda. Uma moeda única e uma autoridade monetária única são o papel inevitável do Estado, devido ao seu monopólio singular de tributação e justiça.

O chamado ‘dinheiro forte’ (hard money), baseado em commodities como metais preciosos, dominou os séculos 18 e 19. Longe de fortalecer controles democráticos, esse sistema entregou o poder a entidades internacionais não eleitas – mineradoras, fornecedores e cunhadores – que ditavam a oferta de moeda sem prestar contas à sociedade.

Sob a influência do ouro, a inflação, o crescimento e o sistema financeiro eram todos menos estáveis ​​devido aos desequilíbrios comerciais. Isso levou a recessões frequentes, oscilações maiores nos preços ao consumidor e crises bancárias perpétuas.

Quando esses eventos ocorriam em uma parte do mundo, a angústia era transmitida a outras regiões e, assim, criava-se um mundo politicamente instável, desigual e mais violento. Vimos isso na Era Dourada entre 1870 e 1920, em que o hard money criou um mundo de enorme desigualdade de riqueza, levando assim, em última instância, às manias de mercado especulativo que levaram à Grande Depressão.

Os Estados Unidos acabaram desvalorizando sua moeda com as políticas do New Deal (Novo acordo), que lentamente diminuiu a dependência do dólar ao ouro, e que levou a uma era de crescimento econômico e prosperidade. Nessa mesma época, a Europa, em grande parte, não se envolveu nessas políticas corretivas e viu o surgimento de figuras populistas e fascistas, que prometeram corrigir a desigualdade de riqueza do homem comum e, por fim, mergulharam o continente num dos períodos mais violentos da história humana.

O dinheiro nunca poderá ser desvinculado da política. Por mais que certos libertários insistam que seu valor deva brotar de uma suposta ‘liberdade divina’, alheia às decisões humanas, essa visão simplesmente não resiste às contradições lógicas nem aos fatos gritantes da história.

A noção de suprimento fixo em moedas deflacionárias como o Bitcoin trata as propriedades da moeda fiduciária – como a inflação – como defeitos, enquanto, em economias modernas, elas são características naturais e esperadas. A filosofia das criptomoedas carrega contradições econômicas significativas em relação ao seu propósito declarado.

O dinheiro controlado pelo Estado, quando bem gerido, oferece controle e uma tentativa de responsabilização pela estabilidade fiscal, além de intervenção no mercado como parte integrante de sistemas democráticos, onde se busca justificar sua necessidade.


3 – A história do dinheiro independente é uma história de desastres

Mesmo presumindo que uma criptomoeda poderia funcionar como dinheiro, nós nos deparamos com uma forte limitação. Toda vez que algum dinheiro privado/independente foi tentado na história, ele criou uma forma de feudalismo corporativo acoplado a um ambiente tóxico, que incentivava a fraude e desencorajava o comércio.

As lições da história são bastante claras sobre essa questão. Os Estados Unidos experimentaram esse sistema na era do Banco Livre de 1837 a 1863. Nesse período, centenas de entidades privadas passaram a emitir suas próprias notas bancárias privadas, supostamente criadas com uma relação de “um para um” com títulos do Estado.

O problema com esses chamados bancos selvagens (wildcat banks) é que suas reservas nem sempre eram garantidas de forma verificável e, portanto, estavam sujeitas a corridas de saques, em que os clientes não podiam acessar seus fundos. A segunda questão é que, ao contrário do dinheiro público que é universalmente aceito ao par, as notas do banco privadas tinham um enorme mercado de câmbio secundário, onde notas de bancos diferentes tinham dificuldade de serem cambiadas entre si.

Uma nota de dólar do banco de Wyoming poderia valer $0,60 para uma nota de um banco de Nebraska, e esses valores poderiam flutuar muito dependendo das condições de mercado. Como comerciante, isso tornava os negócios bastante complicados, pois você seria forçado a comprar mercadorias em um conjunto de notas, aceitar notas de clientes, e dar o troco em um conjunto diferente de notas.

Isso era ótimo para banqueiros que tinham acesso a informações privilegiadas e podiam arbitrar essas notas para seus próprios lucros, mas para a pessoa média isso era um sistema terrivelmente predatório e explorador.

As notas de banco privado são uma forma desnecessariamente complicada, arriscada e ineficiente de administrar uma economia, e isso foi remediado pela Lei do Banco Nacional de 1863. Foi uma ideia verdadeiramente terrível.

Cédula de 5 dólares emitida pelo Cleveland Bank (EUA)


A história tende a rimar e hoje flertamos com as mesmas más ideias do passado. Exceto que agora, ao invés de wildcat banks, temos plataformas tecnológicas com as mesmas aspirações. Eles não querem fazer interface com o dinheiro público, mas sim se tornarem eles próprios emissores de dinheiro independente ou privado: uma emissão de títulos totalmente integrada verticalmente que eles emitem para seus investidores, funcionários e clientes, para criar não apenas um jardim murado, mas um jardim murado onde cada caminho tem um pedágio, que vai colhendo apenas as suas moedas.

O que nenhum investidor de risco desses projetos quer falar é que criar dinheiro privado, assim como na era dos wildcat banks, é uma licença para imprimir dinheiro criando mercados para essas moedas, com assimetrias de informação embutidas na sua concepção. Esses tipos de regimes de dinheiro privado são tão exploradores hoje quanto eram no século 19.

4 – Cripto ativos são títulos não registrados

Ativos criptográficos são simplesmente títulos não registrados em empreendimentos, e não são moedas e não têm mecanismo para se tornarem moedas. São títulos efetivamente não regulamentados, em que o único objetivo dos produtos é a valorização do preço, desvinculado de qualquer atividade econômica. O único caso de uso é apostar nas oscilações aleatórias de preços, tentando comprar na baixa e vender na alta, e sacar posições para ganhos em uma moeda real como dólares ou euros.

No entanto, as criptomoedas não podem criar ou destruir dinheiro real porque, ao contrário de uma ação, não existe uma empresa por detrás, que gere receita.

Portanto, se você vende sua criptomoeda e obtém lucro em dólares, é exatamente porque alguém mais trouxa que você a comprou por um preço mais alto do que você pagou. Então, cada dólar que sai de uma criptomoeda é porque um investidor posterior colocou um dólar nele.

Elas são inerentemente soma zero por design (o ganho de um jogador representa necessariamente a perda para o outro jogador), e quando você leva em conta o “cassino” (bolsas de criptos, mineradores, etc) levando o rake (corretagem) no jogo, então o toda a estrutura torna-se estritamente de soma negativa: para cada vencedor, há a garantia de vários perdedores. É um jogo manipulado por insiders, hackeando a psicologia humana.

Para que as criptomoedas tenham alguma utilidade real, a volatilidade precisa esfriar. Se isso acontecesse, haveria poucos motivos para o público especular sobre os seus preços, visto que não haveria mais potencial para retornos massivos. O dinheiro inteligente sai, a liquidez desaparece e a bolha entra em colapso.

Este é o destino inevitável de todas as criptomoedas, e vemos isso refletido no simples fato de que o retorno médio de todas essas milhares de moedas instantâneas é zero. Elas estão em uma caminhada aleatória para zero, cada uma com seu caminho e prazo.

O argumento apresentado neste artigo é bastante complicado e requer conhecimento na intersecção de vários campos de estudo que, francamente, o público em geral não deveria ter que se preocupar em aprender, para se proteger contra fraudes.

O dinheiro público precisa funcionar de uma forma simples para a maioria das pessoas, sem que elas tenham que se preocupar com os detalhes técnicos. E é exatamente aqui que as criptomoedas exploram a ignorância, a fé desesperada no solucionismo técnico, e o ressentimento político do público, e os transformam em armas para os objetivos desses charlatões libertários do dinheiro privado. Essas pessoas não estão construindo um novo sistema financeiro, elas estão apenas enchendo seus próprios bolsos.

A história se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. As grandes oscilações econômicas do padrão ouro de ontem são a mania dos memes caninos de hoje. A natureza humana é notavelmente invariável ao longo dos tempos e, se não aprendermos as lições da história, estaremos condenados a repetir os erros das gerações anteriores. Desta vez, se tivermos muita sorte, as criptomoedas simplesmente acabarão em um crash do mercado e uma série de reformas progressivas do tipo New Deal em nosso sistema financeiro.

Se não tivermos sorte, elas irão acelerar a expansão de um sistema financeiro paralelo usado para enriquecer os que já são ricos, aumentando ainda mais a desigualdade de riqueza, a níveis historicamente sem precedentes, diminuindo a fé na democracia e aumentando ainda mais as chamas do populismo.

Em última análise, essas tendências convergem para deixar o destino da humanidade às oscilações selvagens dos mercados, demagogos carismáticos, e homens poderosos que prometem nos salvar de nós mesmos. Já vimos como essa história termina.


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Eduardo Teixeira
Analista CNPI-T 9692
Scanner da Bolsa

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